domingo, 26 de janeiro de 2014

Acorda, fofinha!

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Notícia: Remédio para convulsões é usado para emagrecer e causa efeitos colaterais
Fonte: Folha de São Paulo
Data: 15/01/14
Nível: 4
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Apelar para o topiramato era a oitava tentativa de chegar no corpo perfeito. Qualquer dieta que aparecia fazia com que Melissa perdesse mais dias do que gramas. Era uma tortura que terminava na pizzaria, na sorveteria ou naquele rodízio sensacional que tinha perto do trabalho.

- Dessa vez vai ser diferente! O manequim 38 vai ficar largo!

Os primeiros dias já pareciam anunciar um milagre. Melissa se olhava no espelho e se via mais fina. E as amigas eram só elogio!

- Tá fininha, Mel! Arrasou!

Como nem tudo são flores, aquele santo remédio precisava vir com tantos efeitos colaterais? Pois é... E o pior deles era aquele sono da morte que batia o tempo todo.

Era regra: todas as quartas-feiras as meninas se reuniam à noite para assistir um filme na casa de Patrícia, a melhor amiga da Mel. Acontece que nessa semana ela não aproveitou nada e dormiu durante o filme todinho. As palavras era bem legal e tinha aquele gato do Bradley Cooper, mas o remédio era mais forte que o braço do ator.

Passava das onze da noite quando Melissa foi sacudida no sofá.

- Acorda, Mel! Todo mundo já foi embora... Que você aprontou ontem, menina?

Melissa acordou meio tonta e nem lembrava direito de onde estava. Levantou cambaleando do sofá e foi ajeitar o cabelo no espelho da sala.

- Ai Pati, desculpa... Acho que é o remédio que eu tomei, mas já passou... Vou pra casa...

- Remédio? Você tá bem? Consegue ir pra casa?

- Tá tudo certo, amiga. Relaxa!

Melissa pegou seu carro e foi até sua casa que não ficava muito longe. Ainda assim, o sono parecia não deixar que ela chegasse.

Nem bem virou a esquina e Melissa adormeceu ao volante. A batida foi inevitável.

Direto no poste.

E lá estava Melissa com a cara no voltante. Não dá pra dizer que foi derrubada, porque isso ela já estava faz tempo. Quem passava pelo local, não ajudava. A curiosidade só permitia que motoristas diminuíssem a velocidade para bisbilhotar. Mas ajuda mesmo... Nada! Até que uma viatura chegou.

O policial abriu a porta do carro e verificou se Melissa estava bem. Não havia ferimentos e ela parecia apenas dormir. O rapaz tentou contato para ver se ela recuperava a consciência.

- Oi, a senhora está bem?

Melissa se levantou do volante, quase abriu os olhos, mas virou-se para o lado e continuou dormindo. O policial não acreditava no que estava vendo. Respirou fundo e balbuciou.

- Ô meu Deus, acorda aí, gordinha...

Aquelas palavras tiveram o efeito de um sino de catedral tocando ao lado do carro e Melissa acordou furiosa.

- OI?! GORDINHA?

- Não, não, eu falei fofinha... Tá tudo bem com a senhora?

- FOFINHA?


(Continuando...)


- Vai mesmo piorar? - Continuou Melissa. - O senhor está sendo grosso!

- A senhorita me desculpe. Não foi a intenção. Além do mais, parece que tem problemas maiores pra se preocupar no momento, compreende? - Falou o policial apontando o queixo na direção da árvore que parou o carro.

- Ai ai... - Foi a única coisa que Melissa conseguiu expressar.

- Pois é... Ai ai mesmo. Se machucou? O que, precisamente, aconteceu para que o objeto em movimento abalroasse o ponto fixo?

- Acho que acabei dormindo no volante... Mas tô bem!

- Não bebeu não? A senhorita tá com um semblante um pouco embriago, compreende?

Aquele policial não parecia colaborar com estado emocional de Melissa. Ou era inocente demais para não medir as palavras ou estava testando a acidentada. Mesmo a moça afirmando que estava bem, o policial seguiu os procedimentos e requisitou a presença de uma ambulância. Orientou também que ela acionasse o seguro para rebocar. A árvore não pretendia sair da frente.

- Quero ir embora logo. Minhas mãos estão formigando. Será que bati a cabeça?

- Uma prima da minha mãe bateu a cabeça num acidente, foi embora e só foi morrer mais tarde no boteco.

- O senhor tem algo de bom pra me dizer?

- Eu que faço as perguntas aqui, senhorita. - Falou ele enchendo o peito procurando impor respeito. - Fez uso de alguma substância?

- Substância?

- Drogas ilícitas, jovem! Tenho cara de palhaço?

- Não... Não tomei nada... - Respondeu ela confusa.

- E como me explica esse vidrinho tombado de Topiramato aí, hein?

A pergunta do policial veio em tom revelador como final de capítulo de uma novela. Melissa não sabia o que responder e nem se aquilo poderia significar maiores problemas. Seu coração disparou e sentiu náuseas.


- Eu... Eu não sei! - Mentiu Melissa.

- Bem típico. Conheço bem... Começam tomando uma pílula aqui e outra alí pra perder uns quilinhos, depois vem a sonolência, o formigamento, o problema de memória...

- E como o senhor sabe?

- Eu tomei, oras! - Respondeu o policial tranquilamente.

- Mas o senhor é meio gordinho...

- E agora quem está tendo uma indelicadeza com minha pessoa é a senhorita! - O policia se mostrou ofendido. - Tomei, mas parei pois tava quase tendo um piripaque. Por isso tô meio fora de forma.

- Não! Desculpa... O senhor tá até muito bem.

Naquele momento, Melissa e policial perceberam que o acidente havia servido para mostrá-los que os dois tinham mais em comum do que parecia. Partiu dele sugerir que voltassem a se ver numa situação menos inusitada. Ela concordou. Partiu dela a decisão de não tomar mais aquele remédio. Ele curtiu, afinal gostou dela de um jeito que preferia que continuasse exatamente como era. E ninguém queria correr o risco de que uma sonolência botasse tudo a perder no segundo encontro dos dois.

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