segunda-feira, 26 de maio de 2014

Vanilla Latte com Cogumelo

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Notícia: Profissionais fazem tatuagens para homenagear as empresas em que trabalham
Fonte: Folha
Data: 25/05/2014
Nível do conto: 1
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Uma agência de publicidade descolada e com o clima constante de um grupo de amigos no café.

Era assim que o Diego imaginava a "Vanilla Latte", a agência que montou com o dinheiro do seu pai para que pudesse brincar de ser criativo.

Taí uma coisa que Diego não era.



Tanto que o logo da sua agência era apenas um copo daquela famosa cadeia de cafés multinacional.


Ele trocou o nome da empresa pelo da sua agência e substituiu aquela sereia por uma lâmpada.

"Ideias, criação, criatividade" - repetia ele sempre que explicava de onde saiu aquele logo.


Aproveitou que o papai bancou sua brincadeira de ter uma agência e chamou os colegas de faculdade que ainda estavam desocupados por aí, seja por desemprego, preguiça ou usando qualquer desculpa pro ócio.

Seu time de profissionais se resumia a 4 amigos. Enquanto Diego se intitulava Diretor Geral, ele criou cargos para os colegas para que a agência encorpasse.

A Elis faria o atendimento. Quer dizer: atenderia o telefone e responderia e-mail de possíveis clientes.

O Rodolfo e o Matias fariam a criação, colocariam as ideias no papel. Seja lá qual o limite desse trabalho.

Já o Gonzales, ou Gonzo, faria o design. "Esse mexicano é o cara!" - como diria Diego. Em outras palavras, passaria o dia desenhando coisas abstratas e viajando sem sair do lugar.

***

A agência era até bem bonita, com móveis bacaninhas e um local todo cool. Só uma coisa eles ainda não tinham: clientes.

E enquanto os clientes não apareciam, todo dia havia um desafio diferente: seja a maratona de série, o campeonato no Xbox ou o brainstorming fumando maconha... Os dias eram sempre cheios.

É claro que uma hora isso precisaria mudar, afinal os boxes das séries e os jogos de videogame não eram tantos. Era hora de ir atrás de clientes. Mas quem?

Foi aí que Matias teve uma "brilhante" ideia.

"Que tal juntarmos os copos?" - disse ele.

A ideia era pedir um trabalho qualquer de publicidade, mesmo que fosse de graça, para aquela rede de cafés que tinha o logo parecido. Associar as marcas seria, para ele, uma jogada de mestre.

Lógico que todo mundo adorou a ideia. Viraram a noite preparando um material promocional com dois copos: um com o logo da Vanilla Latte e outro com o logo da empresa.

Bastou conversar um pouco com alguns colegas de faculdade para descobrirem o endereço e enviarem o material para a área de Marketing da empresa solicitando uma reunião. Daí era só aguardar uma resposta.

Só por isso já se sentiam vitoriosos, com certeza a empresa iria topar!

Resolveram dar uma festinha na agência pra comemorar. E o Gonzo veio com uma ideia nova: "Chega dos baseados". Agora ele trouxe um chazinho especial, de uma tal de Psilocybe mexicana. Pra ser mais claro, era chá de cogumelo mesmo.

Todo mundo ali, bem louco, quando Diego resolveu discursar para a sua equipe.

Parabenizou, elogiou, e disse que aquela agência, agora, era a vida dele! "Tá no sangue, galera! Tá na alma, tá na pele!"

E foi dessa frase que veio a ideia igualmente imbecil de tatuar o logo da agência no braço. Ou melhor, o logo das duas empresas, lado a lado, simbolizando a parceria de sucesso que teriam.

A equipe não entrou na mesma onda, mas o Gonzo (mais uma vez ele) fez questão de ligar pra um amigo tatuador que foi até a agência fazer o serviço para o seu chefe. O orçamento do mês estourou para poder pagar o trabalho do tatuador, mas Diego nem se preocupou, era só pedir um adiantamento pro pai.

No outro dia, Diego parecia que ainda estava em outra dimensão. Continuava achando a ideia da tatuagem muito louca! Olhava para o seu braço todo orgulhoso.

***

Poucas semanas depois, finalmente chegou uma resposta da rede de cafés. E foi por telefone, que Elis atendeu toda eufórica. Mas logo foi murchando.

Acontece que a empresa estava solicitando que eles parassem de usar sua marca indevidamente, já que o logo da Vanilla Latte era descaradamente baseado no deles.

O aviso era um primeiro contato amigável, antes que fosse necessário entrar com um processo.

Diego reuniu sua equipe para um brainstorming de emergência. E agora?

"É só trocar verde por laranja".
"E se em vez de um copo fosse um prato?"
"No lugar da lâmpada, um símbolo qualquer, tipo @..."
"Acho melhor só a letra V. Algo mais minimalista..."

Seis horas sem uma ideia que prestasse.

Foi aí que Diego viu que a brincadeira de ter uma agência já não tinha mais graça nenhuma.

Resolveu demitir todo mundo e fechar a Vanilla Latte de uma vez.

***

Como uma criança que se cansa de um brinquedo sem sentir pena de abandoná-lo, Diego voltou pra casa tranquilo, falou com o pai sobre isso e dizia que agora queria mesmo era fazer um intercâmbio. Esse seria seu presente de Natal desse ano.

"Que babaquice montar aquela agência..." - pensou ele, com um certo alívio.

Mas quando foi se trocar depois do banho, olhou para o braço e viu que, ainda que tivesse acabado com a sua agência, uma pequena lembrança dela permanecia ali.

E foi assim que, algumas semanas depois, os círculos dentro dos copos na tatuagem foram preenchidos de laranja e cada um deles ganhou uma palavra no lugar dos logos: Carpe e Diem.

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