segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Série Natal Improvável - 02. Os 18 Homens de Marisa

Completei 50 anos em novembro e, assim como ocorre com toda mulher, não é fácil perceber-se envelhecendo. Pior ainda é perceber-se sozinha.

Meu último casamento acabou em abril. E eu já quase perco as contas das vezes em que me casei, me apaixonei... foram tantas! Muitos homens passaram pela minha vida e amei todos eles de forma intensa. Apenas não consegui mantê-los comigo.

***

Em plena véspera de Natal eu estava completamente sozinha. Nunca tive filhos e não faço ideia de onde esteja minha família. Me isolei como uma forma de fugir do meu destino.

Acho que é importante mencionar que eu sou uma bruxa. Uma bruxa enrustida, na verdade. Esta coisa de magias e feitiços sempre me assustou. Nunca tive coragem de me iniciar completamente e, por isso, causei um desgosto enorme em minha família.

De tanto evitar o meu destino, saí de casa aos 15 anos para viver longe daquela sina que eu não queria para mim. Antes de sair, minha mãe jogou-me uma maldição. Ela disse que eu terminaria meus dias sozinha, pois cada homem que se aproximasse de mim logo se afastaria, mesmo que eu fizesse de tudo por eles.

E assim foi.

***

Tive meu primeiro namorado ainda aos 15. Seu nome era Giovani. Um ano depois, ele se mudou para outra cidade e me deixou de repente, sem muitas explicações.

Foram mais 3 namorados depois: Josué, Rafael e Teodoro. Também me deixaram.

Meu quinto homem, Luiz Alberto, veio com uma sorte diferente: me casei com ele. Após dois anos de casados, ele morreu por um ataque do coração. A sensação foi de que meu coração se foi junto com ele.

Tentei não desacreditar no amor ou mesmo me importar com a tal maldição. Mas desde a minha viuvez, uma sequência de homens apareceram e todos se foram, cada um de uma maneira: Marcos me traiu, Benedito voltou para a ex-mulher, Cássio saiu em turnê com sua banda e não voltou, Roberto foi transferido para os Estados Unidos e Joel me trocou pelo seu professor de inglês.

Vitório, Caíque, Eliseu, Raul, Alexandre, Milton e Sérgio também passaram pela minha vida como um furacão. E só deixaram escombros.

Finalmente conheci o Rômulo, que me tratou como uma rainha por 3 anos. Nos casamos, passamos uma linda lua de mel no Caribe... mas, como já contei, pediu o divórcio em abril, saiu de casa e nunca mais o vi.

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Demorei 35 anos e 18 homens para finalmente levar a sério a maldição da minha mãe. Já não dava mais para fugir daquilo. Me peguei sozinha bebendo em casa às vésperas do Natal sem merecer aquilo.

Servi mais uma taça de champanhe e fiz um brinde aos meus 18 homens. Fechei os olhos e disse para mim mesma: "Aos 18 homens de minha vida... Vivos ou mortos, vocês estão comigo agora!"

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Preparei uma bela ceia para muitas pessoas e até então não entendi o porquê de ter cozinhado tanto, era meio instintivo.

Coloquei 19 pratos e 19 conjuntos de talheres na mesa, assim como 19 taças para vinho. Acendi velas e arrumei a mesa para um banquete.

Abri o melhor vinho da adega, me servi, sentei e fiz um novo brinde.

Antes de provar o vinho, ouvi a porta de casa se abrir.

Em fila, os 18 homens da minha vida entraram e se sentaram à mesa. Até mesmo os que já estavam mortos.

Todos sorriam felizes, falavam comigo, brindavam entre si e apreciavam a minha comida.

Minha primeira magia em 50 anos estava acontecendo. E que alegria... Finalmente uma vantagem em ser bruxa! Por um momento, foi maravilhoso me sentir com aqueles poderes. Este seria o melhor natal de todos.

***

No dia de natal acordei com a cabeça apoiada na mesa, que estava arrumada como se ninguém tivesse participado da minha ceia. Teria sido um sonho?

Notei que sentada à ponta havia uma velha, corcunda e escondida atrás de um véu de tule negra. Ouvi sua risada abafada e logo a reconheci. Era a minha mãe.

- Ah, Marisa... Uma mulher dessa idade e ainda caindo em truques como esse. É uma vergonha perceber que minha filha se tornou uma bruxa tão nula, que deixa sua mente ser invadida dessa maneira.

Ela zombava de mim, mesmo aparentando muita fraqueza.

- O que você está fazendo aqui? Como ousa vir me perturbar depois de tantos anos?

- Apenas me lembrei do seu aniversário, tolinha... E quis me certificar de que a maldição estava funcionando. Dezoito homens? Mas veja só... Não parou de tentar mesmo, não é? Que vergonha de você! Pelo menos a alucinação que causei me deu a alegria de te fazer perceber o quanto é bom usar a magia! Não minta pra mim, eu sei que você gostou da sensação...

- EU NÃO QUERO VOCÊ AQUI, SAIA JÁ DA MINHA CASA!

Atirei uma taça em sua direção, mas ela pairou no ar, enquanto minha mãe gargalhava mais uma vez.

- Obrigada pelo presente de Natal, filha! Obrigada por me dar o gosto de te ver querendo ser bruxa uma vez na vida! Mas tenho péssimas notícias pra você: a bruxa que não se inicia até os 50 anos perde os poderes. Você vai continuar sendo nada! E vai continuar com a maldição, sem que nenhum homem fique pra sempre com você! Agora sim, adeus para nunca mais!

Depois de sua última gargalhada minha mãe sumiu e eu caí em prantos. Aquele foi o pior Natal que eu poderia ter. Me senti sozinha, me senti uma boba e me senti culpada por ter gostado da possibilidade de fazer um feitiço. Estava completamente arrasada...

***

Hoje completo um ano deste dia terrível. As lembranças me atormentavam por meses, até que decidi me mudar para outra cidade, viver uma nova vida, na esperança de encontrar um meio de não ser mais influenciada por aquela maldição da minha mãe. Afinal, ela se despediu para sempre.

Neste momento estou parada me lembrando disso enquanto bebo outra taça de champanhe e vigio o forno, esperando o momento deste assado ficar pronto.

Só que dessa vez eu não vou ficar sozinha. Daqui a pouco a Soraya vai chegar e se juntar à mim nesta noite especial.

Como eu fui tola... A maldição da minha mãe era bem clara: "Nenhum homem ficará para sempre em sua vida".

Bem, ela não dizia nada sobre mulheres...

Um feliz natal para mim!

domingo, 14 de dezembro de 2014

Um livro e um post: Temos que saber voar... e nadar!

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Livro: O Oceano no Fim do Caminho
Autora: Neil Gaiman
Editora: Intrínseca
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Vou dizer uma coisa importante para você. Os adultos também não se parecem com adultos por dentro. Por fora, são grandes e desatenciosos e sempre sabem o que estão fazendo. Por dentro, eles se parecem com o que sempre foram. Com o que eram quando tinham a sua idade. A verdade é que não existem adultos. Nenhum, no mundo inteirinho.
(...)
As crianças, como eu já disse, seguem caminhos alternativos e secretos, ao passo que os adultos vão por ruas e caminhos predeterminados.



Quando crianças, ouvimos um monte de histórias com as mais diferentes finalidades: nos ensinar uma lição, apresentar algum conceito moral, criar receios ou tirar medos e até mesmo esclarecer aquelas dúvidas de tirar o sono.

Por mais absurdas que algumas destas histórias pareciam, quase sempre acreditávamos nelas, repetíamos e aprendíamos de fato alguma lição. E vou além: muitas vezes, quando descobríamos como as coisas aconteciam pra valer, nossa mente teimava em preferir a versão fantasiosa, mais divertida e mais fácil de assimilar.

O problema é que, conforme crescemos, essa capacidade de ouvir alegorias e acreditar nelas vai se esgotando. Vamos fincando nossos pés na realidade e, tudo aquilo que sai um pouquinho que do real para o fantasioso passa a ser absurdo. Tudo precisa ter sentido, explicação, comprovação. E é engraçado pensar nisso, pois costumamos dizer que, na verdade, são as crianças que precisam de explicação para tudo, que enchem o mundo com seus intermináveis porquês.

Pois bem, o ponto é que eu li muito por aí que a história desse livro não faz o menor sentido, que é um pouco difícil de compreender e... Não, não é!

O protagonista tinha apenas sete anos quando esta sequência de eventos surreais e assustadores aconteceram. Obviamente suas lembranças condizem com sua idade e dificilmente saberemos o quanto daquilo tudo foi verdade. Talvez nem ele mesmo saiba ou se lembre.

Mas a mensagem principal nem é essa, e se você ler o livro entenderá o que estou dizendo. Quando a gente se deixa levar, sem buscar significado em tudo o tempo todo, toda história fantástica se torna real e podemos fazer parte dela sem dificuldade alguma.

É preciso saber voar. No caso de O Oceano no Fim do Caminho, é preciso saber nadar. Sem ter medo de se afogar. E se o medo aparecer, sempre haverá uma mão para te segurar.

Seria chato, saber tudo.
(...)
Não é nada especial, saber como as coisas funcionam. E você precisa realmente deixar tudo para trás se quiser brincar.